quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A EXISTÊNCIA HUMANA
Abel de Jesus

A existência humana é um oceano
Um mar de incomparável imensidão
A vida que nos cabe é quase nada
É um copo d’água desse mar sem proporção

Bebendo a vida inteira num só gole
Podemos sem querer nos engasgar
A vida deve ser saboreada
É vinho raro não se pode derramar

Podemos ser plebeus a vida inteira
Ou ser eterno rei na solidão
O importante é termos a clareza
Que nessa vida somos luz na escuridão

O tempo é o senhor do universo
E vai levar os versos que eu fiz
Até a estação do infinito
E lá quem sabe faça alguém muito feliz



INTERCESSÃO
Abel de Jesus

Eis-me aqui, minha senhora
Peço tua intercessão
Prá que tragas Isadora
De volta pro barracão

Minha alma ainda chora
Desde que ela foi embora
Vivo eu na solidão

Não te peço complacência
Com a minha insensatez
Aprontei com Isadora
Não foi a primeira vez

Minha lágrima implora
Me perdoa Isadora
Tanto mal que lhe causei

Te prometo de joelhos
Reparar o mal que fiz
Tratarei-a com mais zelo
A farei muito feliz

Prá mostrar que estou mudado
Já marquei antecipado
Uma missa na matriz

Reformei nosso barraco
Seu retrato emoldurei
Botei flores na janela
Fiz um samba só prá ela
Na mais pura inspiração

Acho que já era hora
Aprendi com essa história
Não ceder a tentação

Preparei aquele prato
Que você serviu prá mim
Num jantar à luz de velas
E você minha donzela
Com perfume de jasmim

Nossa história é tão bonita
Peço a deus que não permita
Que ela tenha esse fim



PERDI MEU CHÃO
Abel de Jesus

Por causa de você
Perdi o rumo
Seu amor era o meu prumo
Fonte eterna da divina inspiração

Por causa de você
Meu samba é triste
Escrevo versos que persistem
Em rimar melancolia e solidão

Por causa de você
Perdi o passo
E agora o que é que eu faço
Mestre-sala pescador de ilusão

Por causa de você perdi o rumo
Por causa de você perdi meu chão

Tentei tirar você
Do pensamento
Mas faltaram-me argumentos
Que pudessem convencer meu coração

Tentei justificar
Minha existência
E na mais pura inocência
Atirei-me aos braços de outra mulher

Mas quando
Eu não senti o seu perfume
Dei vazão aos meus queixumes
Magoei a quem me amou sem pretensão

Por causa de você perdi o rumo
Por causa de você perdi meu chão


DUAS CARAS
Abel de Jesus


Não diga

Que eu não passo de um moleque
Que eu só vivo de pileque
No boteco da esquina

Se bebo
Talvez tenha algum motivo
Só não bebo o juízo
Isto nunca aconteceu

Não diga

Que eu sou peça perdida
Que no tabuleiro da vida
Eu não passo de peão

Mas veja, meu amor,
Que ironia:
Aquela que amei um dia
Me pagou com traição

Agora

Eu vou dizer na tua cara
O que toda a Guanabara
Soube antes que eu soubesse

Você me traiu
E fugiu com aquele cara
E agora com que cara
Quer dizer-me o que fazer

Apresentei você

Lá na escola
Aos amigos que outrora
Batucavam uma canção

Larguei
A minha vida de boêmio
E o que tive como prêmio
Foi a tua ingratidão

Na vida,

Aprendi desde moleque,
Um amor a gente esquece
Ou qualquer desilusão

Até
A quem tratamos de rainha
Que de forma tão mesquinha
Nos maltrata o coração

Agora

Eu vou dizer na tua cara
O que toda a Guanabara
Soube antes que eu soubesse

Você me traiu
E fugiu com aquele cara
E agora com que cara
Quer dizer-me o que fazer



MEU SAMBA VAI BEBER FILOSOFIA
Abel de Jesus

Meu samba vai beber filosofia

E quem sabe embriagado
Possa me esclarecer

Será normal viver nessa loucura
Aonde impera a usura
E o apego ao poder


Olhando o rebolado da mulata
E acompanhando a passeata
Contra discriminação

Se somos descendentes dos primatas
Esse discurso escravocrata
É pura falta de visão


O negro que chorava na senzala
Hoje é o mestre-sala
Que desfila na avenida

Não sei se por ironia ou por dor
O negro sempre oprimido
Hoje é o que alegra o opressor


Talvez seja melhor a utopia
De acreditar que algum dia
O mundo possa melhorar

E enquanto isso só for filosofia
Esse meu samba auforria
Te convida a cantar


Repete toda a música...

Te convida a cantar...
Te convida a cantar...


PRECISO ENCONTRAR-TE URGENTEMENTE
Abel de Jesus


Preciso encontrar-te urgentemente

Dizer-te que ainda penso em ti
A vida nos tornou tão diferentes
Mas só recentemente percebi

Quem sabe, meu amor, fosse a certeza
De tê-la em meus braços como sempre pude ter
Joguei o nosso amor na correnteza
E agora é com tristeza que eu suplico a você

Preciso encontrar-te com urgência
Antes que a sua ausência
Me impeça de viver

Recentemente olhando o seu retrato
Lembrei-me de momentos de ternura e de prazer
E sempre quando entro em nosso quarto
Eu sinto a presença de você

Na vida, cometemos desatinos
Zombamos do destino, desprezamos a paixão
Mas quando ao coração não se obedece
Viramos marionete nas trapaças da ilusão

Preciso encontrar-te com urgência
Antes que a sua ausência
Me impeça de viver



E SE ELA FOR FELIZ
Abel de Jesus

..E se ela for feliz
Isso ela não me diz
E se eu ficar sem graça
Quando ela me disser
Que eu sou um moço interessante
Mas diante de tais fatos
Infelizmente é isso aí
Mas que eu mereço ser feliz
Ao lado de outra mulher

...Ah! essa menina linda
Essa mulher bem vinda
Essa paixão tão louca
Que ancora o meu romance
No porto da fantasia
Que me rouba a alegria
Das manhãs de carnavais
E onde guardo a poesia que eu fiz
Nas madrugadas de verão

Mas se de repente ela me chega
E em toda a sua grandeza
E abre os braços prá mim
Vou me entorpecer de cantoria
Até vestir a fantasia
Do carnaval que passou
Quando eu a vi

...Ah! essa mulher tão louca
Essa paixão menina
Essa canção tão rouca
Sem compasso sem remédio
Sem retorno sem registro
Sem razão e sem certeza
Sem cuíca e sem refrão
Sem saber se pelo menos
Ela um dia vai ouvir essa canção

Lá..., laiá..., laiá, laiá...



DAMA DE VERMELHO
Abel de Jesus


Não se espante se eu lhe convidar
Para dançar comigo
Hoje a noite é tão linda e tão nossa
Não corremos perigo

Mas se acaso o amor chegar
E deixar-nos sem graça
E olhando por sobre os meus ombros
Você rindo disfarça

O champanhe, o garçom
O batom no cristal
Teu perfume suave
Me roubando os sentidos

Já dançamos sem nos temer
Nada mais nos importa
Já me vejo abrindo a porta
Lhe tirando o vestido

O amor nos chegou assim
Sobre lençóis macios
Minhas mãos percorrendo o teu corpo
Lhe causando arrepios

E amanhã de manhã
Não passou de ilusão
Mas o sinal fechado
Me lembrou seu vestido


O AMOR EM NÓS
Abel de Jesus


Amor,
Pensei em nosso amor
Em nossa paz
Hoje acordei pensando em ti
Pensando em nós

Caminhamos juntos
Sem temer olhar prá trás
E agradeço a deus
Estar contigo um dia a mais

Amor,
Eu sei das barras
Que vivemos nós
Até temi que a vida
Nos calasse a voz

Mas já vivemos tudo
O que o amor nos concedeu
Retornar da luta
E renascer num beijo teu

Amor,
Talvez quisesse o amor
Nos ensinar
Mostrar, não sei,
O que é o amor, o que é amar

Mas já vivemos tudo
O que o amor nos concedeu
Resta-me o desejo, enfim,
De ter um filho teu


LUZES DA PAIXÃO
Abel de Jesus


Se um colibri lhe acordar
E lhe cantar uma canção
Fui eu que fiz a melodia
Na euforia da paixão

Sou eu que canto manhãzinha
A sinfonia dos pardais
Prá lhe cobrir de poesia e paixão
bebo a poesia do teu chão

Se a luz do sol do amanhecer
Entrar no quarto sem bater
E a luz do sol se encontrar
Com a luz que vem dos olhos teus

Então eu sou a luz do sol
Eu sou a luz dos olhos teus
Eu sou a luz do teu sorriso matinal
Beijo cantoria carnaval


Pudera dar um beijo em tua boca
E amanhecer com a roupa suja de baton
A luz que vem da lua é muito pouca
Se comparada à luz que vem desta paixão

Como é tão bom... como é tão bom!



SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS
Abel de Jesus


Tudo o que sei
Nada me causa alegria
Tento outra vez
Te ofertar poesia

Busco no sonho o compasso
Que exige o meu coração
Tento extrair da verdade
Um momento qualquer de ilusão

Sei que a razão
É comparsa de minha timidez
Mais uma vez
Recorro a poesia

Pobre de quem
Já não tem vocação prá sonhar
Que só traz na lembrança
Um vago verbo amar

Perto de ti
Meu coração se acalma
Chego a sentir
Você beijando a minh’alma

Nas noites frias de inverno
Eu dedilho o meu violão
Tendo você a meu lado
A lareira da minha paixão

Chego a sorrir
Mergulhado em tal embriaguez
Que mais uma vez
Recorro à poesia

Pobre de quem
Já não tem vocação prá sonhar
Que só tráz na lembrança
Um vago verbo amar


COMO SER-TE
Abel de Jesus


Quero que você me encontre
Que você me conte como é que foi
Quero que você me diga
Dessa sua vida desse coração

Fale das suas viagens
Das suas paragens
Da nova estação
Fale dos seus desenganos
Dos seus vinte anos

Quero que você me encontre
Que você me conte como é que foi
Quero que você me diga
Dessa sua vida desse coração

Fale de tempos passados
Do tempo que passa
O passado passou
Fale do tempo em que a gente passava se amando

Quero que você me encante
Que você me conte como é que foi
Quero que você me ame
Que você me chame seja onde for

Eu serei sua viagem
A sua paisagem
O seu coração
Eu serei sua estrada
O seu desatino

Quero que você me encante
Que você me conte como é que foi
Quero que você me ame
Que você me chame seja onde for

Eu beberei tua boca
Na louca euforia de me enlouquecer
Percorrerei o seu corpo
Feito um bailarino


NÃO ADIANTA ME NEGAR
Abel de Jesus

Não adianta me negar
O que o seu olhar me diz
Nem vem querer se explicar
Se já começa a gaguejar
Quando estou perto de você
Meu bem

Quando o coração sente
Quer fazer da gente
O que bem entender
E faz até renascer
Até cantar outra vez

Não adianta nem tentar
Me esquecer outra vez
De que adianta se esconder
Fechar os olhos prá não ver
Se a tua sombra sou eu
Meu bem

A verdade insiste
Em dizer como é triste
Viver sem você
Então prá que me torturar
Diz que me ama de vez



CANÇÃO CANSADA
Abel de Jesus


Tenho os olhos perdidos
Passados recentes
Cenários que cegam
A minha visão
Outonos que não se vão

Trago no peito espinhos
Promessas cansadas
Países que eu esperei
Ilusão
Palavra sangrando a voz

Vento me tira a poeira
Me traga coragem
Me mostre caminhos
Que eu não percorri

Traga um sonho um verso
Ou quem sabe a aurora
Da minha canção
Criança de pé no chão

Vago ao vento e vazio
Me pego arredio
O medo de ser
O que nunca serei
Preciso do colo teu

Vento me tira a poeira
Me traga coragem
Me mostre caminhos
Que eu não percorri

Traga um sonho um verso
Ou quem sabe a aurora
Da minha canção
Criança de pé no chão



ALTAS HORAS
Abel de Jesus

Todo fim de noite
Risco poesia
Te exalo nos dedos
E amanhece o dia

Todo fim de noite
Bate a tua ausência
E a saudade aumenta
A minha agonia

Quanto tempo faz
Que eu não te vejo
Quanto tempo faz
Que eu não te beijo

Da minha janela
Posso ver a lua
Do meu pensamento
A imagem tua

Solidão pungente
Longa madrugada
Coração latente
É você ou nada

Vem menina
E mata o meu desejo
Quanto tempo faz
Que eu não te beijo

Vem menina
E mata-me de beijos
Quanto tempo faz
Que eu te desejo


ESCRAVO DA PAIXÃO
Abel de Jesus


Me esqueci tentando te esquecer
Me perdi de tanto procurar
Um novo caminho
Caminhar sozinho
Ainda há tempo prá viver

Quantas vezes eu não quis ouvir
Quanto tempo havia prá nós dois
Tantas as palavras
Hoje tão cansadas
Implorando por você

...Ah! Loucura foi tentar te esquecer
Se a tua imagem ainda me faz crer
Que sou o mais amante dos mortais

...Ah! Serei eterno escravo da paixão
Por mais que eu insista em dizer não
Eu sei que é impossível te esquecer

Quantas noites eu me vi tão só
Quantos copos em que naufraguei
Quantas caminhadas pelas madrugadas
Procurando me esconder

Quantos sonhos eu sonhei depois
Quantos versos quanta solidão
Quantos lábios frios
E o querer tardio
De implorar o teu perdão

...Ah! Loucura foi tentar te esquecer
Se a tua imagem ainda me faz crer
Que sou o mais amante dos mortais

...Ah! Serei eterno escravo da paixão
Por mais que eu insista em dizer não
Eu sei que é impossivel te esquecer


N’ALGUM LUGAR DO MEU PASSADO
Abel de Jesus


Amanhã mesmo me procuro
Dentre a fuligem que restou
Buscar lembranças de futuro
Olhar de novo o que eu não vi
Pisar descalço sobre a grama
Comer da fruta no capim

Reflete novamente na varanda
Criança que eu guardei em meus quintais
Atrás do pé de tamarindo
Era menino e nada mais

Lá..., laraê..., lalará...
Lá..., laraê..., lalará...
Atrás do pé de tamarindo
Era menino e nada mais

Amanhã mesmo me prometo
Qualquer canção que me esqueci
Viagens sonhos e segredos
Qualquer paixão que não vivi
N’algum lugar do meu passado
Sentindo um cheiro de jasmim

Reflete novamente na varanda
Criança que eu quis ser e não fui
Tão viajante tão sozinho
Era menino e nada mais

Lá..., laraê..., lalará...
Lá..., laraê..., lalará...
Tão viajante tão sozinho
Era menino e nada mais




PÁSSARO FERIDO
Abel de Jesus


Se você me deixar
Não diz, se vá
Sabes muito bem
Da dor que vai me corroir
Ao te ver partir

Eu sei que é normal
O amor , o fim
Mas nunca pensei
Que isso acontecesse a mim
Que doía assim

Se existe uma razão
Então não dá
Deixa-me cantar
O som do pássaro ferido
E voar sem fim


BABY...
Abel de Jesus
Baby...
Deixai-me deleitar
No aconchego do seu corpo
Tão bom é contemplar
A alegria do seu rosto

Hoje a noite está tão nua
E a lua ainda não veio
Sem falar nesse vazio
Da ausência de você
Uôu..., uôu..., uôu..., uôu...,

Baby...
Ainda que eu persista
Na beleza de existir
Há tanta hipocrisia
Me impedindo prosseguir

E hoje eu sei qualquer verdade
É uma gota no oceano
Comparada a grandeza
De saber que eu te amo

Baby...
Elites e eleitos ignoram a nação
Fabricam miseráveis
Depois trancam o portão

Consideram o absurdo
Uma coisa tão normal
Se escondem da verdade
Atrás de qualquer jornal
Uôu..., uôu..., uôu..., uôu...,

Baby...
Meus olhos já perderam
A coragem de enxergar
Algum lugar seguro
Onde possamos nos amar

O futuro me acena
Como uma cena de horrores
De um lado miseráveis
Do outro computadores
Uôu..., uôu..., uôu..., uôu...,



EU SÓ QUERIA CANTAR UMA CANÇÃO
Abel de Jesus

Meu bem...
Cantei uma canção
Mas houve quem dissesse
Que mexi com a razão
Dos amantes reprimidos
Que sou um tanto insensível

Meu bem...
Eu não queria tanto
Eu só queria um canto
Que pudesse unificar
Todos numa só canção
Numa mesma harmonia

Caminhei por essas ruas
As esquinas do país
Por letreiros coloridos
Me mandando consumir

Meu bem...
Eu fiz outra canção
Falando mais da vida
Primavera e paixões
Espantando essa tristeza
Acalmando os corações

Meu bem...
Bem sabes que é difícil
Falar de primavera
Com o barulho dos canhões
Destruindo os amantes
Mas, quem sabe, a primavera....

Olhe bem para os meus olhos
O meu tempo todo é seu
Tome minha liberdade
Eu preciso de você


NOVA DANÇA
Abel de Jesus


Boca de cantar menina
Boca de beijar também
Boca de cantar cantiga
De cantar contigo
Que o cantar contém

Nesse compasso é que a vida vai
Esse compasso que a gente tem
A cada passo uma nova dança
E nessa contra-dança vou dançar também

Boca de cantar menina
Boca de beijar também
Boca de cantar cantiga
De cantar contigo
Que o cantar contém

Cante comigo a mesma canção
Conte comigo se avexe não
Canse comigo nesse rebolado
Nesse requebrado desse meu baião